Ana Luiza L. F. Menezes
Castelo de vidro
Era uma vez um castelo de vidro, grande, transparente e cintilante. Tudo o que acontecia em seu interior fazia-se visto do lado de fora.
Lá dentro morava uma família, uma família de vidro, resplandecente, transparente, misteriosa, quebrada, estilhaçada, fragmentada; mas isso não podia ser visto do lado de fora. Escravizada pela boa impressão e presa às paredes transparentes. Privacidade era uma palavra que a tempos deixou-se levar pela vidraça da sala de jantar. À noite, quanto o íntimo da casa se ascendia, era possível ver mais de perto os segredos que ela escondia.
No castelo de vidro morava um menino, um menino de vidro. Jovem, alto e desengonçado, ainda ouso dizer fofo. Sorriso largo e brilhante. Suas rachaduras ainda eram pequenas, de quedas, brigas e decepções. Cada som que sai de sua boca não passava de um mero ruído, se comparado aos estrondosos gritos de repreensão, palavras hostis e pensamentos cruéis muitas vezes proferidos em sua presença. Inaudíveis aos civis do lado de fora por vidros isolantes de sons.
Ah! Se os sentimentos e pensamentos tivessem cores e formas!
Os gritos mais ardentes seriam tão prateados como o trovão. Os xingamentos mais feios seriam tão marrons como árvores mortas. Sorrisos mais sinceros seriam tão brancos como as Montanhas nevadas na primavera. Os silêncios mais sensatos seriam tão amarelos quanto os girassóis, que estão sempre em busca da luz da passividade e sabedoria. Olhares mais intensos seriam tão vermelhos quanto o fogo nas forjas, calorosos e hipnotizantes. As paixões mais ridículas seriam tão verdes como os campos verdejantes, que tem sua graça em singelas gramíneas verde-limão.
Em castelos de vidro, as cores só podem ser vistas pelas almas mais humildes, que conseguem entender e mudar a cor de corações tão negros como o carvão, que vão perdendo as esperanças. Em nosso castelo de vidro, em meio a um ambiente monótono e homogêneo, pimentos coloridos começam a aparecer. No sorriso branco, e na capa amarela de um garoto de vidro.